“Dirigir um ferry-boat requer muita habilidade”
O comandante do Ferry Anna Nery, Carlos Dantas, foi o personagem principal da reportagem especial que o jornal Tribuna da Bahia fez sobre a profissão de mestre de embarcação. Na matéria, Carlos conta um pouco sobre a infância no Ceará, entrada na Marinha e ITS, além de relatar o sentimento e os desafios de levar diariamente milhares de baianos e turistas em direção à Salvador e Ilha de Itaparica.
Ele tem 59 anos de idade. Nasceu de uma família pobre de muitos irmãos, no dia 8 de julho de 1960, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Comandante Mestre de Embarcação, ou mestre de cabotagem, Carlos Antônio Dantas de Almeida, é o principal condutor do FB Anna Nery, que sob o seu leme seguro, singra, numa agradável rotina pelas águas mansas e mornas, da Baía de Todos-os-Santos. De dentro da cabine, na parte de cima da embarcação, o Comandante Carlos Dantas manobra, com rara habilidade e profissionalismo, as embarcações da Internacional Travessias Salvador (ITS), atracando e garantindo uma navegação de qualidade, tanto para baianos quanto para turistas do Brasil e do mundo. Nascido no Nordeste brasileiro, tem uma função essencial na condução dessa e de outras embarcações do sistema ferry-boat. Respeita as normas da embarcação e as leis da Marinha do Brasil e tem certificação internacional para conduzir “barco concebido para o transporte de veículos e respectivos passageiros entre as margens de um rio ou pequenos trechos marítimos”.
MAR DE ALMIRANTE
O Comandante Mestre Carlos Dantas recorda – com satisfação – quando descobriu o prazer na profissão, servindo à Marinha do Brasil. “Lá consegui reunir conhecimento e experiência para chegar onde hoje eu estou. Mas confesso que, de jeito nenhum ou de forma nenhuma essa foi a minha primeira vocação profissional. Eu queria ser enfermeiro e trabalhar na área de saúde. Estudei e fiz um ano de enfermagem. Mas, aos 17 anos entrei na Marinha e lá me aposentei em 2007, após 30 anos de serviços prestados. No navio de guerra eu trabalhava como timoneiro. Fui gostando das atividades e tive a oportunidade de servir aqui, na Capitania dos Portos da Bahia, onde cheguei a ser instrutor não só de ferry como também de Jet-Sky”.
FILHOS SEM APTIDÃO
Na condução de uma embarcação deste porte (ferry-boat), a Capitania dos Portos da Bahia defende que sete tripulantes estejam presentes na viagem, sendo três deles comandantes. “Cada embarcação tem a sua tripulação fixa”, diz Carlos Dantas. Quando ocorrem dias de chuva e de tempo ruim o comandante da embarcação procura fazer a travessia, desviando ligeiramente da rota normal para amenizar o desconforto dos passageiros. “Assim como o piloto de avião procura fugir das tempestades, nós fazemos o mesmo, visando o bem-estar das vidas que estamos conduzindo”, valoriza. Quanto as aptidões dos filhos (um homem e uma mulher) Carlos Dantas não lamenta o fato de não ter sido inspirador na vocação profissional deles. “A minha filha está casada e já me presentou com um neto; enquanto o rapaz trabalha na Petrobras e nunca quis ser militar ou da área marítima. Quem sabe se o meu neto, que hoje tem nove meses de idade, venha, no futuro, a se dedicar a minha profissão. Eu gosto é da visão que eles têm a respeito do meu trabalho, a de que carrego nos ombros muita responsabilidade de conduzir vidas e cargas importantes”. O que faz Carlos Dantas ser ainda mais feliz profissionalmente é saber que detém conhecimentos suficientes para conduzir uma embarcação do porte de um ferry-boat que, em média, leva mais de 600 pessoas e 50 carros a cada viagem. “Quando eu entro na cabine, me sinto uma pessoa realizada e feliz. Sempre estou tranquilo. Às vezes até demais (ri pelos cantos da boca). Isto é algo da minha própria natureza e também como parte do aprendizado técnico na Marinha do Brasil. Eu lido com as situações adversas com muita tranquilidade. Não me afobo com nada”.
É preciso conhecer sobre mar, vento e ter muita responsabilidade
Aos que pensam em seguir na profissão ele dá um aviso, em forma de alerta, para ser seguido à risca. “Tenha muito amor ao que vai fazer, quando dirigir uma embarcação. Procure somar conhecimentos da profissão porque o maior desafio no mar é conhecer quem está te chamando. Se é o vento ou a corrente marítima. Sabendo lidar com essas duas situações da natureza, você consegue conduzir a embarcação no rumo adequado e desenvolver o seu trabalho com todo sucesso! Quanto aos ‘perrengues” (dificuldades), o Comandante Carlos Dantas disse que viveu alguns, quando deixou a Marinha do Brasil e passou à Marinha Mercante e foi trabalhar em mar aberto (off-shore).
“Estive pelo Rio de Janeiro, Recife, Angra dos Reis e Vitória do Espírito Santo, dentre outros lugares. Lá, a gente lida literalmente com as correntes marítimas e fortes ventos. Quando isso ocorre, a gente tem que parar a embarcação e ver quem está te dominando naquela hora. Assim que você tiver a definição de quem comanda o momento, você encosta a embarcação numa plataforma marítima ou em um navio e passa uma carga para aliviar seus percalços. Lá fora, em alto mar, não é fácil não”.
Mexendo com as lembranças o Comandante lembra de uma vez em alto mar quando passou três dias com a tripulação comendo lanche frio e bebendo suco. “Não tinha como fazer comida. As panelas caiam no chão. As ondas eram de quase seis metros de altura. Estávamos na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Fato este frequente também na Bacia de Santos, em São Paulo. Ali você paga os seus pecados e sua mãe não vê. A comunicação é praticamente zero e a gente tem controle limitado para falar até com a família, via rádio”.
MANTRA DA GRATIDÃO
Carlos Dantas é dessas pessoas simples e que além de ser muito gentil, professa a Gratidão como religião. “Trabalhar na Internacional Travessias Salvador (ITS) é um prazer muito grande para mim. Me dedico de corpo e alma a ela, pois estou sempre à disposição 24 horas. Por isso, só tenho a agradecer”.
“A única dificuldade que aqui nos ocorre, é quando o vento Noroeste ataca. Esse vento, torna mais difícil, a realização das manobras da embarcação. É instantâneo, mas tem muita força. Chega rápido e sai também muito rápido. Nesta situação eu prefiro segurar um pouco a manobra e aguardar o vento perder a sua intensidade e vou conduzindo a embarcação até “afilar”, onde quero atracar. Quando atraco o ferry-boat posso atender os passageiros que, geralmente, vem me parabenizar pela manobra e tirar fotos na cabine. Com o ferry já parado podemos proporcionar esses momentos de alegria e felicidade aos nossos passageiros”, finaliza a entrevista com os olhos marejados de lágrimas por tanta alegria que a profissão oferece.
Texto originalmente escrito pelo jornalista Lício Ferreira e veiculado no jornal Tribuna da Bahia (www.trbn.com.br), dia 20/01/2020.
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